sexta-feira, maio 01, 2009

Elementos radicais do Estado causam alarmismo social: segundo eles, o actual estado da crise pode ser perturbado por activistas anti-crise

Alguns elementos radicais do Estado, identificados com os corpos armados e de auto-defesa do Estado, estão a servir-se dos órgãos de comunicação social ( ver aqui e aqui) para lançar uma campanha de intoxicação sobre a opinião pública através de notícias que dão conta que nos próximos dias poderão ocorrer graves distúrbios que podem pôr em risco a proverbial tranquilidade e passividade do BOM POVO PORTUGUÊS.
Tais distúrbios poderão traduzir-se pelos seguintes acontecimentos:
- concentrações anormais de pessoas em jardins, ruas e praças públicas ( Nota: não fazer confusões com os magotes ululantes de estudantes em exercícios sado-masoquistas das praxes académicas, porque esses estão, como se sabe, legalizadissimos),
- distribuição de panfletos e manifestos ( Nota: nada de confusões com a vaga de jornais gratuitos distribuídos perigosamente em tudo o que é semáforo e paragens stop da via pública, porque esses não contrariam, como bem se sabe, o Código de Estrada),
- manifestações públicas (Nota: não confundir com as ruidosas noitadas e ajuntamentos no Bairro Alto e zonas urbanas similares, porque essas não são mais que prolongamentos imprevistos e imprevisíveis de reuniões privadas dentro dos bares e discotecas!).
Com efeito, segundo fontes por nós contactadas, aqueles elementos radicais do Estado manifestaram a sua perplexidade perante o crescendo descontentamento social que lavra pelo país fora, e temem pela segurança e certeza do estado a que as coisas chegaram.Confessam até que não vêem motivos para uma agitação popular, e que esta só pode ter explicação pelo activismo descabelado de agitadores profissionais, pagos a peso de ouro pelo terrorismo internacional que, confessadamente, escolheu o nosso país para destabilizar a crise económica e social que estava a evoluir de modo favorável nos últimos meses com um crescimento sustentado do desemprego, do galopante défice do orçamento público, do incessante encerramento de empresas, e da não menos crescente precariedade social, razões mais que suficientes para garantir uma duradoura continuidade da crise, continuidade essa que não pode nem deve ser prejudicada pela acção dos referidos agitadores que contestam e pretendem manifestar-se não só contra os sintomas e os efeitos da crise, como ainda contra as suas causas profundas, o que é interpretado como mais uma demonstração da mais completa irracionalidade dos tais elementos anti-sistema que não desistem, e pretendem, como perigosos fanáticos que são, manifestarem-se contra a CRISE, o que constitui, obviamente, um atrevimento e um desafio aos poderes constituídos, e poderá servir de precedente para outras veleidades futuras que podem até colocar em crise o próprio estado da crise.
Apesar de algumas objecções levantadas a conclusões tão definitvas por pessoas e observadores mais bem atinados, aqueles elementos radicais da mais poderosa organização armada legal do país persistem no seu alarmismo e declaram não terem dúvidas que o actual estado da crise pode estar em risco com a acção dos grupos e activistas anti-crise.
Nota final: qualquer semelhança desta notícia com a realidade não é mais do que pura e infeliz coincidência que mostra bem a que estado chegamos hoje: o das guerras preventivas, o das acusações preventivas, o das condenações preventivas, etc, etc

sábado, janeiro 10, 2009

casa assaltada, faixas à mostra



Nas democracias policiais, a liberdade de expressão é um direito de todos os cidadãos. Também por isso lhes chamam democracias. Mas esse direito tem limitações, coisa lógica nesta sociedade onde se definiu que “uma liberdade acaba onde começa a do outro”, impedindo-se, assim, que se interpenetrem, que se prolonguem uma na outra. Pensamentos perigosos, que poderão constituir um qualquer crime se tornados públicos, e que, portanto, ficam por aqui. Já basta o que basta, dizia o outro, como sempre, cheio de razão. O que agora interessa, de facto, é que, em primeira instância, quem define as limitações das liberdades, e, por arrasto, as da liberdade de expressão, é a polícia. Também por isso lhes chamamos, a essas democracias, policiais.

Na Casa Viva, logo no primeiro dia oficialmente útil da semana, tivemos mais uma prova de que Portugal se insere dentro desta categoria de democracias. Por volta das 15h00 desse 5 de Janeiro, os Bombeiros Sapadores do Porto, a mando da Polícia de Segurança Pública, também presente, retiraram, assim, sem pedidos nem explicações, a faixa solidária com o movimento grego que a Casa vinha exibindo desde 20 de Dezembro. O motivo da apreensão, tal como informado no respectivo auto, é “incitava à violência, cometendo o crime contra a paz pública”. Não fosse o tal adjectivo que acompanha a nossa democracia e ter-se-ia tratado de um roubo. Afinal, uma faixa não publicitária numa fachada duma casa particular só pode ser retirada se tal for pedido pelo proprietário, o que não aconteceu. Mas o facto é que esse adjectivo está lá por alguma razão e, em estando, o acto de surripiar transforma-se em apreensão, os prevaricadores em sujeitos activos de acusação e as vítimas em réus.

Pode-se olhar para a faixa pelo ângulo que se quiser, mas é precisa muita liberdade de interpretação para nela ver um incentivo à violência. Mas, lá está, essa é apenas mais uma das liberdades das democracias policiais que, como todas as outras, tem uma definição e um âmbito dependentes do livre arbítrio dos agentes da Autoridade, gente que se costuma acusar de ser pouco dada a divagações poéticas, mas a quem não podemos deixar de gabar a capacidade de ler nas entrelinhas ainda mais do que os autores das linhas queriam fazer transparecer.

No processo de roubo/apreensão da faixa, os agentes acharam por bem deter três pessoas que saíam da casa a ver o que se passava do lado de fora do sítio onde lhes tinham oferecido guarida. Estavam, aparentemente, a utilizar de forma ilegal numa casa que não é deles. Mas houve queixa do proprietário? Falamos com ele e ele disse que não devia estar ninguém em casa. Falaram com ele?! Bem... a casa está em ruínas e não pode estar lá gente a viver! A Casa está em ruínas? Quem falou em ruínas? Então porque é que estão detidos? Não houve detenções, só os trouxemos à esquadra para assinarem o auto de apreensão. A uns gajos que não têm nada a ver com a casa nem com a faixa? Mais alguém dá a cara pela faixa? Claro que sim! Então já não estão detidos, podem sair os três e até voltar para a casa em ruínas onde, para além de não poderem estar por causa dessa sua – da casa – condição, não podiam estar por falta de autorização do proprietário.

Ora então cá temos os responsáveis pela faixa. Basta que um assine o auto de roubo/apreensão, que os outros já estão identificados de qualquer forma, apesar de nunca lhes termos controlado legalmente as identidades. Agora a coisa vai para o DIAP e já não é mais nada connosco, que vocês aparecem aqui aos magotes e a malta quer ver o discurso do Sócrates sem medo de que nos ocupem esta merda, perdão sr. ministro, esta esquadra, tão lindamente baptizada como sendo do Paraíso, apesar de, para tal, ainda faltarem os canais da Sport Tv, vá lá que nos resta a TVI e as novelas com gajas boas. Depois, daqui a 6 meses, 1 ano, ou dois, o DIAP lá decidirá se a queixa da PSP é válida e, se não for, a faixa será devolvida. No entretanto, a gente fica sem a faixa de que o agente não gostou e assim mesmo é que é numa democracia policial.

Ora, é provável que o DIAP considere que a faixa, de facto, mais do que um apelo à violência, é um grito contra a sua utilização por quem lhe detém o monopólio e que, como tal, o seu roubo/apreensão até pode, pelo menos em teoria, configurar um atropelo à liberdade de expressão. Pouco interessa. Não será por isso que a Casa será deixada em paz. Há a questão da ocupação ilegal. Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Mas há a questão das drogas. A questão das drogas? Sim, a casa está conotada com drogas. Conotada por quem? Pela polícia. Mas entraram lá ilegalmente para ver essa questão? Nem pensar... mas cheira muito a charro no passeio quando se passa por perto. O quê? É verdade... e, ainda por cima, entra lá gente com mau aspecto! Isso não é discriminação? A polícia não discrimina... limita-se a ver se determinada pessoa tem determinado aspecto e, se o tiver, fica imediatamente associada ao consumo de drogas. E isso não é discriminação? Não desconversem... é que há a questão da propriedade! Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Pois é... então, há a questão das drogas. E sabem quem vai sofrer com isso se não tomam cuidados?

Os processos de intimidação à divergência apertam-se. Espera-se que o medo de qualquer coisa, independentemente do que seja, impeça as pessoas de se manifestarem, de exporem opiniões, de se levantarem perante as injustiças dos poderosos. Depois de visitas policiais à Casa em dias de reuniões, depois de visitas regulares ao blog, veio o roubo/apreensão da faixa, um processo-crime sobre “os responsáveis pela faixa”, o reconhecimento policial de que já estamos todos fichados e as ameaças de que, ou atinamos, ou nos fecham a Casa e nos mandam de saco, por causa da questão da propriedade, aliás, por causa das drogas, aliás por qualquer coisa que lhes apeteça.

O problema é que achamos que nós é que somos os atinados e não nos apetece, agora que os desvarios juvenis já passaram na sua maioria, desatinar e começar a comer tudo o que nos dão ou a baixar a cueca cada vez que nos tentam violentar. Para além de que a Casa, assim sem uma faixa, parece despida. E nós não queremos um processo-crime por atentado ao pudor.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

O dia dos sapatos voadores

Foi, sem dúvida, o grande momento de televisão neste ano de 2008 e um acontecimento histórico para os Estados Unidos: o seu presidente havia aterrado no Iraque, fora recebido com generosas palavras proferidas pelos seus vassalos locais, estava a dar-se ares de benemérito e protector numa conferência de imprensa, quando dois objectos voadores perfeitamente identificados como sapatos se dirigiram para a cabeça presidencial (o jornal Público noticiou o voo de apenas um sapato, podendo admitir-se que reservou só para si o do segundo, que completava o par). Nunca tal acontecera na História da grande democracia americana, onde já estavam tristemente inscritos os assassínios de dois presidentes mas nada havia acerca de um presidente alvejado à sapatada, se é esta a palavra certa, e insultado com o epíteto de “cão”, complemento que a TV não terá gravado, que apenas foi divulgado pelas agências internacionais, mas de qualquer modo teria passado despercebido aos telespectadores que, como a generalidade dos portugueses, da língua árabe nada sabem. Convém ainda registar que ambos os sapatos falharam o alvo graças a duas atempadas esquivas do presidente dos Estados Unidos, pelos vistos perfeitamente em forma quanto a flexibilidades de cintura, assim se tornando inútil o bem-intencionado gesto do anfitrião que, sentado a seu lado, ainda ergueu o braço na intenção de travar o voo do sapato segundo. Quanto à palavra “cão”, informam os que sabem que constitui o pior ou um dos piores insultos no quadro, que se supõe bem abastecido, dos insultos islâmicos, mas porque não constituiu matéria de transmissão televisiva não parece adequado tecer-se nesta coluna considerações sobre o assunto. Notícias posteriores informam que pelo menos no Iraque terá sido decidido proibir a entrada de pés calçados em locais onde o presidente norte-americano esteja, medida que será de óbvia prudência, pois nem sempre se pode contar com uma esquiva no tempo certo, mas é também de grande significado. Ela como que demonstra a dimensão do êxito da política de George W. Bush para o Médio Oriente, e isto apenas quanto à conquista psicológica das populações. Pois quanto a consequências mais tragicamente concretas, fala o número de mortos e estropiados resultantes da invasão decidida por Washington.

DE CADA UM DE NÓS
É claro que o episódio tem um raro carácter anedótico e que pela sua comicidade de superfície ilustra bem o nível de descrédito e desrespeito a que chegaram os Estados Unidos na sequência das opções tomadas pela administração Bush. Talvez se justifique, porém, olhar um pouco para lá do episódio grotesco que a televisão (e também a Net) levou aos olhos de todo o mundo e lembrar que, sapatos voadores por sapatos voadores, bem justo seria que mais alguns levantassem voo em direcção não apenas dos senhores chefes de governo que expressa e ostensivamente apoiaram a invasão do Iraque mas também dos muitos que calorosamente a apoiaram. Uma simpática tentativa de absolvição poderá alegar que se tratou apenas de um erro de avaliação política e estratégica e que, como bem se sabe, errar é humano. Pois será, mas acontece que nem todos os erros são iguais ou sequer equiparáveis. Talvez até se possa partir para uma espécie de triagem dos vários erros, separando os que são motivados por qualquer forma de burrice, os que decorrem de uma das muitas variações que a maldade assume, e ainda os que acumulam uma e outra raiz. Ora, no que se refere à medonha desgraça que Bush e os seus cúmplices fizeram desabar sobre os iraquianos, é transparente que uma cupidez enorme e a mais criminosa falta de escrúpulos se fizeram transportar no dorso de uma burrice compacta. Gentes de todo o mundo sabem-no, e por isso a imagem dos Estados Unidos caiu a um nível tão baixo que se avizinhou da repugnância que os crimes do nazifascismo continuam a inspirar. E é em conexão com esta realidade que o voo dos sapatos de um repórter iraquiano na direcção da cabeça de George W. Bush adquire o seu inteiro significado: aqueles dois sapatos são também nossos, de cada cidadão de qualquer lugar do planeta que encara o ainda presidente norte-americano como um criminoso de guerra que vai escapar ao julgamento. Aqueles sapatos tornaram-se o sinal da condenação proferida pelo mundo inteiro. Já que não haverá outra.

Correia da Fonseca; 18 de Dezembro de 2008

Fonte: Avante!

sexta-feira, julho 25, 2008

Quer baixar a produção? Use transgénicos!

A Monsanto declarou há dias à imprensa que a próxima publicação do chamado regime especial de protecção do milho lhe permitirá iniciar experiências com milho transgénico. Que ironia histórica que tal regime, em vez de proteger o milho e os seus povos, seja outro presente que o governo faz às transnacionais que privatizaram as sementes, chave de toda a rede alimentar e património camponês legado à humanidade. Para cúmulo: produzem menos!

Em Abril de 2008, a Universidade do Kansas publicou um estudo que demonstra, depois de analisar a produção da cintura cerealífera dos Estados Unidos durante os últimos três anos, que a produtividade dos cultivos transgénicos (soja, milho, algodão e canola) foi menor que na época anterior à introdução de transgénicos. A soja apresenta uma diminuição de rendimento de até 10 por cento. A produtividade do milho transgénico foi em vários anos menor e em alguns igual ou imperceptivelmente maior, dando um resultado total negativo comparado com as variedades convencionais. Também mostram menor rendimento a canola e o algodão transgénico tomados em períodos de vários anos. (E, em todos os casos, as sementes são mais caras que as convencionais, pelo que a margem de ganho dos agricultores também é menor).

Este estudo corrobora vários anteriores. Em 2007, a Universidade de Nebraska descobriu que a soja transgénica da Monsanto produzia 6 por cento menos que a mesma variedade da empresa em versão não transgénica e até 11 por cento menos que a melhor variedade disponível de soja não transgénica. Outros estudos, inclusive um do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em Abril 2006, mostram resultados similares: definitivamente, os transgénicos não são mais produtivos.

A razão principal, explicam os estudos, é que a transgenia altera o metabolismo das plantas, o que em alguns casos inibe a absorção de nutrientes, e em general, exige maior energia para expressar características que não são naturais da planta, retirando­‑lhe capacidade para se desenvolver plenamente.

A explicação da Monsanto face ao estudo da Universidade do Kansas, foi que «os transgénicos não estão desenhados para aumentar a produtividade» (The independent, 20/04/2008).

A Monsanto, a Dupont-Pioneer e a Syngenta são as três maiores empresas do mundo em transgénicos, e também em todo tipo de sementes comerciais. A Monsanto controla quase 90 por cento das sementes transgénicas, e, juntas, controlam 39 por cento do mercado mundial de todas as sementes, e 44 por cento das sementes sob propriedade intelectual.

Por que então estas empresas – que também são donas das sementes híbridas não transgénicas – fazem questão de vender as suas sementes que produzem menos e requerem mais agroquímicos? Em parte porque, além do mais, são grandes fabricantes de agroquímicos, mas sobretudo porque todos os transgénicos são patenteados e, por isso, a contaminação converte­‑se num grande negócio.

As sementes híbridas também se cruzam com variedades nativas. Mas são cruzamentos de milho com milho, ao contrário dos transgénicos, onde o cruzamento contamina genes de bactérias, vírus ou qualquer outra espécie com a qual tenha sido manipulado. Mas a diferença fundamental para as empresas, é que, com os transgénicos, a contaminação é um delito imputável às vítimas.

Qualquer camponês ou agricultor que seja contaminado ou que use as sementes transgénicas que lhe foram compradas pela Monsanto e as volte a plantar (ou seja, exerça o “direito dos agricultores”) usa a sua patente sem permissão e comete um delito pelo qual pode ser processado.

A Monsanto já cobrou mais de 21.500 milhões de dólares através de julgamentos contra agricultores nos Estados Unidos (Center for Food Safety). Acaba agora de iniciar um julgamento mais agressivo, contra a totalidade da cooperativa de agricultores Pilot Grove Cooperative Elevador Inc. do Missouri. Segundo a Monsanto, não lhe são pagas suficientes regalias. O agricultor David Brumback, que se autodefine como «fiel comprador» dos transgénicos da Monsanto há anos, expressa a sua raiva e afirma que «para a Monsanto todos somos culpados» (CBS 4 Denver, EUA, 10/07/2008). É isto o que espera os agricultores do Norte do México, que pedem milho transgénico. E também os que não o queiram e sejam contaminados.

Uma vez no campo, a contaminação transgénica é inevitável, é só questão de tempo. As medidas que o vergonhoso “regime de protecção” propõe, esgrimidas pela Semarnat e pela Sagarpa, não são apenas limitadas e ignorantes. Directamente não fazem sentido, porque nunca se repetirão em condições reais nos campos dos agricultores, se for aprovado o cultivo comercial. As chamadas “experiências” são outra falácia, como a lei Monsanto e o seu regulamento, para legalizar às transnacionais a contaminação generalizada e a caça de agricultores, contra o coração dos povos e à custa do património genético mais importante do México.


Silvia Ribeiro *
La Jornada
______
* Investigadora do Grupo ETC

domingo, julho 06, 2008

O capital que nos espreita

Néstle contratou Securitas para espiar actividades da ATTAC


Era um punhado de jovens, activistas da associação ATTAC em Lausanne, que tinha decidido investigar as actividades de uma das grandes multinacionais suíças: a Nestlé. O tema não era inocente, porque não se tratava de ver como eram feitas papinhas para criar bebés sorridentes, rosados e gordinhos. Da investigação não iria resultar um cliché de publicidade sobre a empresa que mata a fome às crianças do mundo.

Pelo contrário: tudo levava a crer que a Nestlé ficaria mal na fotografia, que a sua voracidade pelos lucros poderia ser relacionada com a destruição de recursos naturais, com a perseguição de sindicalistas latino­‑americanos, e em especial com a política de privatização da água.

Mas lá por a investigação ser preocupante para os administradores da Nestlé, isso não os autorizava a tratarem a ATTAC como potencial organização terrorista. Os tribunais e a polícia nunca poderiam, em todo o caso, fazê­‑lo.

A Nestlé não esteve portanto com meias medidas: encomendou à Securitas uma operação de espionagem. A Securitas, por sua vez, contratou uma jovem que se apresentou com um nome falso ao grupo de trabalho da ATTAC, manifestou interesse e assumiu tarefas na investigação, insinuou-se no círculo de amizades pessoais do grupo, frequentou as suas casas, obteve listas de endereços de correio electrónico e endereços postais.

Um belo dia, quando a investigação estava concluída e se preparava a sua publicação em livro, a infiltrada desapareceu. Agora, anos depois, o caso foi desmascarado. A Securitas confirmou a infiltração na ATTAC e a polícia do cantão de Vaud admitiu, embaraçada, que tinha conhecimento da sua existência. Segue-se um processo judicial contra a Nestlé e contra a Securitas, bem como uma responsabilização da polícia, promovida pelos grupos parlamentares da esquerda, por ter permitido que se desenvolvesse uma operação em que era violada a privacidade de cidadãos e cidadãs que nada fizeram senão procurar a verdade sobre as malfeitorias da Nestlé.

Entretanto, o sindicato da polícia suíça tomou posição num comunicado de imprensa considerando escandalosa a cumplicidade da polícia neste caso. No plano nacional, ao abrigo da lei de protecção de dados, foi exigido à Securitas o esclarecimento de todo o assunto e a chefe do Departamento da Polícia pediu igualmente contas. Vários partidos políticos e organizações emitiram declarações e interpelaram o parlamento do cantão.


Fonte: Mudar de Vida

terça-feira, março 18, 2008

A indústria alimentar e a nossa alimentação


Uns dias atrás, num zapping entre os três telejornais portugueses, ouvi a expressão «obesidade: epidemia do século XXI». Parece-me ainda cedo para prognosticar qual a epidemia deste século que ainda agora começa. Mas com a impacto mundial de doenças infecciosas como a SIDA, ou as doenças órfãs — aquelas para as quais existe tratamento, mas por afectarem sobretudo cidadãos pobres, a indústria farmacêutica não produz tratamento em massa por não ser rentável, como a tifóide, cólera, e malária — a obsessão com a obesidade é quase ofensiva.
É certo que nos países desenvolvidos o excesso de peso vem assumindo proporções assinaláveis, e as doenças cardio-vasculares são das principais causas de mortalidade. Mas em geral as discussões sobre obesidade centram-se nos nossos hábitos alimentares, na nossa prática de exercício, responsabilizando o indivíduo pelo seu excesso de peso. Mas a qualidade dos alimentos que recheiam as lojas também têm vindo a evoluir e a indústria alimentar também deve ser responsabilizada.~
Uma das principais tendências no mercado alimentar é a substituição de comida não processada (a posta de carne ou peixe, o ovo, a peça de fruta, a couve) por substâncias comestíveis altamente processadas disfarçadas de comida (o autor Michael Pollan refere-se ahighly processed edible food-like substances). Segundo este autor, esta tendência é impulsionada pelas pressões económicas que regem a indústria alimentar e, mais recentemente, tem a cobertura legitimadora do nutricionismo (uma ciência ainda em estado embrionário).
A industria alimentar não consegue obter lucro vendendo matérias primas alimentares não processadas (arroz, cevada, soja, milho, trigo). Mas ao transformar essas matérias primas, criando um produto diferente, pode reclamar propriedade intelectual e inflacionar o seu preço, por exemplo substituindo milho por Corn Flakes. Quando o mercado começa a produzir muitas versões de Corn Flakes, elabora-se mais um pouco e produz-se Special K, ou Corn Flakes com chocolate, e depois barras de cereais. Assim, esta indústria pega em matérias primas baratas e produz produtos alimentares complexos e lucrativos. Em vez de comer uma peça de fruta, beba um néctar de fruta.
A necessidade de prolongar a vida de prateleira dos produtos alimentares é também promotora de maior processamento. O pão é disso testemunha. Um pão integral, feito a partir de farinha que contém todas as componentes da semente de trigo, é mais nutritivo, por incluir o gérmen do grão de trigo (e as tais omega-3 e vitaminas B). Mas exactamente por ser mais nutritiva, a farinha integral é também mais susceptível de ser atacada por roedores ou fungos. Por outro lado, uma farinha altamente refinada, misturada com preservantes, pode ser processada para produzir, por exemplo, Panrico, já cortado às fatias, que fica na prateleira meses a fio sem nunca se estragar. Mas cabe perguntar, qual o valor nutritivo de um alimento se não há um fungo que se preste a comê-lo e dele possa sobreviver? O pão, tradicionalmente uma fonte nutritiva variada, tornou-se assim numa fonte rica de açucares e aditivos.
O nutricionismo vem gradualmente desviando a nossa atenção para a importância de nutrientes e outros compostos (como os anti-oxidantes), criando a ideia de que para nos alimentarmos devemos preocupar-nos com o conteúdo nutritivo da nossa comida. Um produto alimentar pode adquirir uma valor acrescentado se for publicitado como possuindo, por exemplo, omega-3, ou como tendo níveis baixos de colesterol. Ao reduzir o alimento às suas componentes, abre-se a porta para um processamento cada vez mais intenso. Mas ainda entendemos muito pouco sobre o efeito dos compostos nos alimentos sobre a nossa saúde. O colesterol na nossa alimentação, por exemplo, tem apenas uma correlação tangencial com os níveis de colesterol no sangue. O nível de incerteza desta ciência (Pollan chama-lhe uma ideologia, e diz que enquanto ciência está ao nível da cirurgia no século XVII) é evidenciado pelas flutuações entre o que é bom e terrível para a saúde. A manteiga, em tempos, ficou mal conotada por ter colesterol e gorduras saturadas. Inventou-se então um processo de hidrogenação para transformar as gorduras poli-insaturadas numa forma dura à temperatura ambiente (margarina). Incentivou-se então a substituição de um alimento moderadamente prejudicial à saúde, por um outro que pode ter efeitos ainda mais prejudiciais, pois mais tarde descobriu-se que os óleos hidrogenados têm gorduras trans, implicadas em doenças cardíacas e cancro.
Temos então este combinação letal, uma indústria alimentar que processa cada vez mais intensamente os alimentos, eliminando nutrientes das materiais primas, e uma ideologia (nutricionismo) que chama a atenção para a importância de certos componentes, que a indústria alimentar se presta então a re-introduzir nos alimentos através de mais processamento. Não seria mais saudável simplesmente voltar a comer comida menos processada. Afinal a dieta mais associada à obesidade, diabetes e doenças cardiácas é precisamente a "dieta ocidental", caracterizada por farinhas refinadas, muita carne (também processada, e industrializada), pouca fruta e vegetais, muito açúcar (em particular sob a forma de xarope de milho rico em frutose, HFCS, mais barato de produzir e armazenar).
Há quem promova uma dieta mais próxima da dieta ancestral. Mas não será preciso recuar tanto no tempo. As chamadas dietas tradicionais são em geral todas mais saudáveis, e têm como denominador comum incluirem comidas menos processadas e combinações de alimentos aperfeiçoadas pela tempo e encapsuladas nas práticas culturais. Por exemplo, muito antes de se saber o que eram anti-oxidantes ou que poderiam ter um efeito retardador do envelhecimento, no Mediterrâneo já se temperava tomate com azeite. Resulta que os licopenos (um caroteno de elevado efeito anti-oxidante) do tomate tornam-se assimiláveis pelo organismo quando o tomate é ingerido com azeite.
Infelizmente, mesmo os alimentos menos processados estão a perder qualidade em virtude de uma agricultura mais intensa. Frutos que levam menos tempo a desenvolverem-se na árvore, para chegarem mais rapidamente ao mercado, são nutritivamente mais pobres. O mesmo sucede com as carnes. As vacas, por exemplo, são injectadas com hormonas de crescimento para se desenvolverem mais rapidamente. As condições de produção industrial de galinhas e porcos, em condições pouco higiénicas, força os produtores a administrarem grandes quantidades de antibióticos, fomentando a evolução de resistência a antibióticos entre bactérias infecciosas, com consequências sobre a incidências de infecções resistentes em humanos.
A indústria alimentar tem outras perversidades. A globalização deste sector tem conduzido vários países a concentrarem a sua agricultura num número reduzido de produtos, tornando esses países vulneráveis às oscilações de preços e não-autónomos do ponto de vista alimentar. A produção de comida tornou-se um sector que consome muitos hidratos de carbono, na produção de fertilizantes, de pesticidas, e no transporte de alimentos. Estima-se que custam 10 calorias em combustíveis fósseis para produzir 1 caloria de alimento. Uma balança muito desequilibrada, sobretudo quando pensamos que tradicionalmente a única energia necessária para produzir comida era a solar e o trabalho humano.
Fonte: jangada-de-pedra.blogspot.com

Brigada de Costumes

O grupo parlamentar do PS não mais nada em que se preocupar? O desemprego, a precariedade, a desigualdade económica, ou até o ataque aos professores e ao ensino público e democrático, o ataque à soberania nacional, o envio de militares para o Afeganistão e Kosovo? Certamente haverão coisas mais importantes que criar uma legislação moralista que «proíbe a colocação [de piercings] na língua e na boca, bem como "na proximidade de vasos sanguíneos, de nervos e de músculos", o que inclui os órgãos genitais» (Público 15.03.2008). Se faltava regulamentação nesta actividade, certamente que esta se podia limitar à garantia de condições de higiene para o que recebe e o que efectua o piercing. Não era precisar o Estado limitar escolhas individuais. Com base em quê? Garantidas as devidas condições de higiene e precauções, o piericing da língua ou dos orgãos genitais não constitui uma ameaça à saúde do indivíduo. Esta limitação só pode assentar numa rejeição de um estilo, de um costume.

Os piercing tiveram um ressurgir na civilização ocidental moderna, mas tem uma larga tradição na história humana. O uso de piercing das orelhas (brincos), por homens e mulheres, faz parte da cultura europeia há centenas de anos, mas qualquer pesquisa mínima das culturas mundiais revela uma enorme diversidade de piercing. À esquerda vemos um artista nigeriano com um piercing da língua, certamente menos higiénico que as varas metálicas que tendem agora a ser usadas no ocidente. À direita vemos a colocação tradicional entre os Surma da Etiópia de um "prato" de madeira no lábio inferior. Várias práticas religiosas envolvem auto-mutilação através de piercings corporais como expressão de devoção à fé e sacrifício.
Faz sentido que se procure garantir que estas práticas ocorram com um mínimo risco para a saúde, mas daí a proibi-las?Mas o projecto lei, apresentado pelo deputado socialista Renato Sampaio, vai mais longe na seua regulamentação dos costumes, propondo a proibição de qualquer tipo de «piercings, tatuagens e de maquilhagem permanente a não emancipados e a menores de 18 anos», mesmo havendo consentimento dos pais. De novo, qual a lógica por detrás de tamanha limitação de costumes. A tatuagem então tem uma longa tradição na cultura europeia e mundial, que teve recentemente um ressurgir e alargamento. É uma forma de expressão corporal, que, mais uma vez, garantidas condições de higiene não constitui qualquer perigo à saúde. Diz Sampaio que «da mesma forma que um menor de 18 anos não pode comprar cigarros mesmo que leve uma declaração dos pais», não pode fazer tatuagem com consentimento paterno. Mesmo admitindo o dano do tabaco à saúde e a legitimidade do Estado em limitar a sua venda a menores, e esquecendo a incongruência de simultaneamente se permitir a venda de bebidas alcoólicas a menores, haverá que concordar que uma tatuagem em nada se assemelha à venda de tabaco. Isto é passar um atestado de estupidez às pessoas, e infringir os seus direitos de expressão com um moralismo que não tem lugar numa sociedade livre.
Para tomar posição sobre este assunto o nosso gosto pessoal é irrelevante. Eu cá não gostava de ter uma bola metálica na língua, ou ter a minha língua bifurcada, ou ter implantes subdérmicos. Mas a minha opinião, ou a do Renato Sampaio e sua brigada dos costumes, não é perdida nem achada quando o Zé ou a Maria tomam essa opção. Curioso este pensamento único ocidental, que apregoa «menos estado» no que diz respeito aos serviço públicos e à intervenção no mercado, mas depois acha-se incumbido de limitar as nossas liberdades e direitos.
Fonte: jangada-de-pedra.blogspot.com

domingo, fevereiro 10, 2008

Lisboa: PSP atinge à bastonada sócios e amigos do Grémio Lisbonense

Lisboa, 08 Fev (Lusa) - Agentes da PSP que guardam o Grémio Lisbonense, na Praça do Rossio, intervieram hoje à bastonada atingindo alguns sócios e amigos da associação que se insurgiram contra o despejo ordenado pelo tribunal.
Cerca das 20:00, agentes da PSP que guardam a associação, que hoje foi despejada do primeiro andar de um edifício da baixa pombalina que ocupava há mais de 150 anos, atingiram com cassetetes vários sócios e amigos da instituição que se encontravam nas escadarias de acesso às instalações insurgindo-se contra o despejo ordenado pelo tribunal.
O repórter fotógrafo da agência Lusa Mário Cruz também foi atingido pela polícia na cabeça, nos braços e nas costas.
"Estávamos a tentar dialogar mas a polícia bateu indiscriminadamente na cabeça, nas mãos e no pescoço dos vários associados", afirmou à agência Lusa um dos sócios do Grémio Lisbonense, Daniel Melim, que tinha um saco com gelo sobre uma das mãos.
Este jovem associado e mais cerca de uma centena de pessoas encontram-se na Praça do Rossio, em frente ao Arco da Bandeira, onde vários agentes da PSP impedem o seu acesso às instalações do Grémio Lisbonense.
Momentos antes da intervenção da polícia, três homens de uma empresa de mudanças retiraram da sede da associação diversos haveres do bar, enquanto no átrio do edifício se concentravam algumas dezenas de sócios e amigos do grémio.

ER/HSF.


Lusa/Fim


http://www.tvnet.pt/noticias/video_detalhes.php?id=19585

http://www.tvnet.pt/noticias/video_detalhes.php?id=19587