sexta-feira, junho 15, 2007

G8

G8, seis anos depois

Jorge Costa
Esquerda

Há seis anos, Carlo Giuliani foi assassinado em Génova pelos guardiões do G8. Os milhares de activistas que ali se juntaram, entre os quais meia centena de jovens bloquistas, sabiam que os governos mais ricos conspiravam contra a humanidade. Seis anos depois, os senhores da globalização imperial reúnem-se na Alemanha. Olhando para o que fizeram do mundo em meia dúzia de anos, só se pode dar razão aos que hoje voltam a cercar o G8.

1. Em 2001, Bush acabava de chegar à presidência dos EUA. Dois meses depois de Génova, as petrolíferas instaladas na Casa Branca viam nos atentados de 11 de Setembro o pretexto para a pilhagem total no Médio Oriente. No mesmo passo, os comentadores de serviço assinalavam aquele crime como o fim do movimento alterglobalização, que se calaria perante o consenso “anti-terrorista”. Pelo contrário: contra a guerra, o “povo de Seattle e Génova” tornou-se o principal protagonista da maior mobilização da história da humanidade.

Seis anos depois de Génova, os invasores do Iraque gerem a derrota e ponderam a fuga. Depois da sobranceria inicial contra a “velha Europa”, Bush, assumindo as dores da ocupação mesopotâmica, vê­‑se obrigado a renegociar o bolo e o fardo das guerras (Afeganistão, Líbano) com os herdeiros da social­‑democracia europeia – Prodi, Zapatero ou, à sua escala, Sócrates. Os votos que derrotaram Berlusconi ou Aznar deixaram Bush e Blair sozinhos no Iraque, mas não arrancaram a política da guerra pela raiz. Nestes seis anos, Bush fez mais de um milhão de mortos, a Rússia prosseguiu a limpeza da Tchetchénia, a China aprimorou­‑se nos fornecimentos às sempiternas guerras de África. A chacina continua e o G8 é o camarote VIP.

2. Em 2001, a Constituição Europeia dava os seus primeiros passos nos salões discretos da eurocracia. A ambição era grande: “gravar na pedra”, diziam eles, a regra da privatização, o directório e a NATO. Foram anos de trabalhosa convergência entre as elites da Europa, deitados a perder pela imprudência de ouvir a populaça. A França e a Holanda recusaram o tratado e a depressão tomou conta de Bruxelas. Agora, é a direita autoritária francesa, em maré-alta com Sarkozy, que faz ressuscitar a Constituição, em versão minimal e irreferendável. Zapatero apressou-se a sinalizar o seu entusiasmo. Prodi não deve demorar, para embaraço da ala esquerda do seu governo.

3. Em 2001, o aquecimento global era, oficialmente, uma mentira produzida por fundamentalistas da ecologia infiltrados na comunidade científica. Bush mantinha o boicote norte-americano ao protocolo de Quioto, em nome do direito imperial a poluir livremente. Hoje, sabe-se o que nos espera, e são os relatórios governamentais que o anunciam. Quioto mantém-se letra morta e as primeiras catástrofes relacionadas com as alterações climáticas fazem-se sentir. Bush encontrou no biocombustível um paliativo para a continuação da irresponsabilidade e, nessa política, o seu maior aliado é Lula da Silva. O presidente brasileiro aposta no aprofundamento do modelo agro-exportador e chega mesmo a transformar os industriais da cana­‑do­‑açúcar em modelos de empreendedorismo [1].

O movimento alterglobalização foi o mais poderoso sinal de esperança ao longo destes seis anos. Ele está vivo e actuante, um pouco pelos cinco continentes. Hoje, em Rostock, dezenas de milhares de pessoas mostram­‑no de novo. O próximo Fórum Social Mundial está marcado para Belém do Pará, em 2009. Mas a desaceleração do último período deve ser compreendida também à luz de uma desmoralização à esquerda, resultante das experiências governamentais brasileira e italiana. A presidência Lula no berço do FSM, ou o governo Prodi (que inclui a Refundação Comunista, força propulsora do movimento, de Génova ao primeiro Fórum Europeu, em Florença) são experiências de continuidade com a ordem liberal.

Hoje, como quando os carabinieri assassinaram Giuliani, quem enfrenta as políticas do G8 não tem nenhum “governo amigo”.

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[1] Francisco de Oliveira, O pós-moderno (pdf), Folha de S. Paulo, 27/05/2007.

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